quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Programação para Advogadxs - FGV Direito Rio


Entre setembro e dezembro deste ano fui Research Fellow (algo como professor e pesquisador visitante) na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Durante o período, aproveitei para acompanhar uma disciplina que me chamou atenção: "Programação para Advogadxs" - esse era o nome. Nesta postagem quero falar sobre o que aprendi com a experiência, principalmente sobre ensino, e por que essa foi uma das melhores disciplinas que já cursei na vida.

Embora eu não tenha conseguido me matricular oficialmente, porque os prazos já haviam expirado quando cheguei, fiz todas as atividades da disciplina, que incluíam fundamentalmente três projetos.

A disciplina é ministrada pelo professor da FGV Direito Rio e líder do Núcleo de Ciência de Dados Jurídicos, Ivar A. Hartmann e pelo engenheiro-líder do Núcleo, Fernando Correia Jr. O site da instituição publicou uma matéria sobre a disciplina nesse semestre. Tal como entendi, os objetivos da disciplina são dois: (1) introduzir conhecimentos de programação em Python e em Banco de Dados (MySQL) úteis para as necessidades dos profissionais do direito, como automação de documentos e buscas em jurisprudência; (2) capacitar os estudantes para ter uma postura mais empreendedora, visualizando possibilidades de startups adequados à solução de problemas do mundo jurídico.

Eis o que quero pontuar de interessante e inovador na disciplina, bem como as lições pedagógicas que tirei dela:

1. É a primeira disciplina sobre programação em um curso de direito no Brasil. Depois surgiram outras iniciativas, como a da própria FGV Direito SP e uma na PUC-Rio, mas a FGV Direito Rio é a mais antiga (desde 2013) e bem estruturada.

2. A ideia não é formar advogados desenvolvedores, embora um estudante motivado possa querer seguir adiante nesses conhecimentos, mas formar juristas capazes de compreender os fundamentos das tecnologias atuais, capazes de dialogar com desenvolvedores, a fim de poder prestar melhor assistência jurídica. Se um advogado é versado nesses conhecimentos e advoga para uma startup ou para uma empresa de tecnologia consolidada, provavelmente vai se sair melhor como advogado do que se for completamente leigo em programação e tecnologias. Isso é uma visão rara em faculdades de direito, que, em sua grande maioria, estão formando profissionais do direito anacrônicos para um mundo completamente imerso na tecnologia.

3. Houve uma palestra sobre como fazer um pitch de sucesso dada por Caio Ramalho, professor da FGV e coordenador do Núcleo de Estudos em Startups, Inovação, Venture Capital e Private Equity. E houve outra palestra com Erik Navarro Wolkart, que falou do caso de sucesso de empreendedorismo do curso Ênfase, preparatório online e offline para concursos. Além disso, o terceiro projeto da disciplina, feito em grupos, consistia em fazer um pitch de uma statup legaltech/lawtech, uma apresentação não só perante alunos e professores, mas também para quatro convidados ligados ao setor de investimentos e startups; eles avaliaram os pitchs e escolheram um vencedor, que teve como prêmio seis meses de assessoria jurídica gratuita para levar a ideia adiante. Ou seja, houve uma imersão real no empreendedorismo na área jurídica, abrindo o horizonte dos estudantes de direito para possibilidades além da advocacia e do concurso público.

4. Há algo importante e geral a ser notado nessa forma de avaliação: a avaliação não foi feita apenas por um professor e a apresentação do pitch não ficou restrita à sala de aula, mas foi aberta ao público (ocorreu no hall de um dos andares do prédio) e direcionada especialmente para convidados/avaliadores experientes e especializados em negócios. A mesma lógica pode ser aplicada a projetos de outro tipo: imagine, por exemplo, um projeto no qual os estudantes precisam apresentar propostas de projetos de lei para parlamentares convidados; ou fazer uma apresentação sobre Direitos Humanos e Direito Constitucional em escolas públicas. As possibilidades pedagógicas são muitas.

5. O primeiro projeto (individual) exigia que criássemos um programa que, partindo da leitura de uma planilha (csv) com dados de clientes, gerasse automaticamente petições de Habeas Corpus (em txt) adequados para cada cliente. Dessa forma, aprendemos como era possível e de modo relativamente fácil automatizar a criação de documentos, seja por meio de perguntas, seja partindo de uma planilha - da qual se poderia gerar centenas de petições diferentes em questão de segundos.

6. O segundo projeto (também individual) exigia algo que se mostrou bem mais complicado: criar um programa que recebia um termo ou um conjunto de termos, e, procurando em uma pasta com 1501 decisões (em txt), devolvia as seguintes informações, para cada caso encontrado: (a) o nome do arquivo da decisão; (b) a data da decisão; (c) o nome do relator da decisão; (d) o trecho onde o termo aparece na decisão. Dessa forma, aprendemos como era possível fazer buscas precisas e rápidas dentro de uma quantidade de documentos com a qual seria impossível para uma pessoa lidar manualmente.

Cada projeto tinha especificações adicionais, que, na prática, o tornavam mais difícil, pois, além de resolver o problema, tínhamos que adequar a solução a certos padrões.

7. Nas aulas, aprendemos principalmente operações no Python relevantes para essas tarefas. A parte mais básica de Python ficou a cabo não de aulas em sala, mas de um curso online gratuito na plataforma Codecademy. Algumas aulas foram dedicadas para fazer os projetos em sala, recebendo assistência dos professores, e havia um dia na semana em que monitores nos auxiliavam nos projetos, para quem quisesse ir.

Como se vê, a disciplina é fortemente baseada em aprendizagem por projetos, o que, a meu ver, se mostrou uma abordagem estimulante e desafiadora. Os estudantes foram instigados a aprender, pensar e criar por conta própria, com a mediação de professores e monitores.

Certamente nem todas as faculdades de direito, incluindo públicas e privadas, possuem a infraestrutura de excelência da FGV Direito Rio. Porém, a experiência tão bem sucedida dessa disciplina mostra muito claramente como é possível ir MUITO além das tradicionais aulas-palestras e provas discursivas ou objetivas.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Deficiências da Pesquisa em Direito e Como Superá-las


Os problemas da pesquisa em direito, em especial no Brasil, e como lidar com eles têm sido tema recorrente neste blog. Recentemente escrevi sobre isso na página do Facebook do blog e nesta postagem escreverei o mesmo, com alguns acréscimos.

Quais são as deficiências da pesquisa em direito? Sendo simples e direto, as principais são:

1. Imitação da forma e do estilo de manuais jurídicos;
2. Textos acadêmicos escritos como se fossem petições jurídicas;
3. Adjetivações e louvações a personalidades ditas “eminentes”;
4. Uso de fontes ruins ou de segunda mão, como textos de portais sem critérios científicos;
5. Afirmações não triviais sem suporte em dados de pesquisas ou baseadas em pouco suporte (por exemplo, o estudo de alguns poucos casos);
6. Carência de aplicação de sólidos e replicáveis métodos de pesquisa, como técnicas estatísticas conhecidas ou formalismos;
7. Falta de uso de ferramentas de análise bem estabelecidas: softwares como R, NVivo, SPSS, Excel, etc.
São problemas que não se restringem a iniciantes, como pesquisadores de iniciação científica, mas aparecem até nos trabalhos dos autores mais renomados da área, que, por sua vez, repassam seu modo precário de fazer ciência para estudantes com aspirações acadêmicas.

O que fazer para superar esses problemas? Dado que raramente os pesquisadores da área de direito são bons exemplos a serem seguidos em termos de pesquisa de alto nível, um olhar para fora do departamento de direito, onde há mais tradição e experiência em pesquisa científica, poderá ajudar. De novo, sendo prático e esquemático, eis o que pode ser feito:

1. Abandone a ideia de direito como esfera autônoma: como pesquisador(a), você está interessado em problemas e deve recorrer livremente a métodos e conhecimentos relevantes para a solução desses problemas, não importando a delimitação da área.
2. Mantenha-se familiarizado com as melhores pesquisas da sua área, consultando os trabalhos publicados nos melhores periódicos a nível internacional. O QUALIS ajuda nessa seleção, mas é uma classificação nacional e que tem seus próprios problemas. Uma classificação internacional é a da SJR: https://goo.gl/VJxyjR
3. Mantenha-se familiarizado com a ciência em geral, mesmo que por meio da boa divulgação científica. Fazer ciência envolve um modo de pensar e, para evitar cair nas armadilhas dos hábitos do mundo jurídico, é importante manter-se próximo do fazer científico paradigmático. Uma opção é acompanhar bons canais de divulgação científica no YouTube, como o SpaceToday, Primata Falante, Canal Do Pirula, Canal Nerdologia, Kurzgesagt, VSAUCE e outros.
4. Como adquirir métodos e ferramentas eficazes de pesquisa e que não lhe ensinaram no departamento de direito? Há dois caminhos básicos: (1) aproxime-se de áreas próximas a sua pesquisa, dentro da sua universidade, como os departamentos de sociologia, ciência política, economia ou informática; curse disciplinas nelas; talvez valha a pena ter até um co-orientador daí. (2) estude por conta própria através de cursos online, aproveitando plataformas como o Coursera, Edx e Udemy, por exemplo. Essa última tem um perfil diferente das outras duas, e se baseia mais em cursos curtos, não vinculados a grandes universidades. Essas plataformas são a resposta que você precisa para as insatisfações com a qualidade do seu curso.
E estou aberto para conversar com quem precise de alguma ajuda em relação à pesquisa.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Site Acadêmico Profissional


A maioria dos pesquisadores bem estabelecidos internacionalmente possuem um site acadêmico profissional, no qual colocam informações sobre si mesmos, suas pesquisas, aulas, publicações, entre outras coisas. Além de ser uma forma de divulgar o próprio trabalho e ter uma espécie de portfolio, ainda pode ajudar no ensino, pois o site pode funcionar como repositório para ementas, bibliografia, e outros detalhes de cada disciplina que o professor já lecionou ou leciona. Às vezes esse site é do servidor da própria universidade, mas outras vezes é foi criado e hospedado em plataformas privadas como a Google.

Alguns exemplos:

Richard Posner - http://home.uchicago.edu/~rposner/

Catarina Dutilh Novaes - https://sites.google.com/site/catarinadutilhnovaes/

Livio Robaldo - http://www.liviorobaldo.com/

Thomas Conti - http://thomasvconti.com.br/

Pensando nisso, finalmente resolvi criar meu próprio site, usando a excelente plataforma do Novo Google Sites. Está totalmente em inglês.

O resultado vocês podem conferir no link abaixo.