O Professor Anacrônico é
uma figura muito presente na educação brasileira, em todos os níveis. Ele é
definido por aquilo que considera ser basicamente seu trabalho: “dar aula”,
isto é, expor o assunto da ementa à turma, elaborar e corrigir provas, além de
eventualmente tirar dúvidas das alunas e dos alunos. No atual século XXI, essa
personagem é, sem exagero, uma peça de museu, assim como as pesadas armaduras
de guerra, as máquinas de escrever e os telégrafos. Ou pelo menos é isso o que
pretendo defender neste texto.
A oralidade foi a forma
mais importante de transmitir informação e conservar a cultura, até o advento
da invenção de Johannes Gutenberg, em meados do século XV: a prensa de tipos
móveis permitiu disponibilizar a informação numa escala muito maior do que até
então era possível, através da produção massiva de livros, panfletos e jornais.
As primeiras universidades europeias (que ensinavam teologia, medicina, direito
e “artes liberais”) surgiram entre o século XI e XIII e, nesse período, a
produção de livros, originais ou cópias, era feita por um demorado processo
manual. Nesse contexto, de escassez de meios de informação, as aulas
expositivas não eram apenas úteis, mas necessárias para a transmissão do
conhecimento acumulado.
Hoje, porém, temos
meios de comunicação que eram inimagináveis para os professores medievais: uma
quantidade enorme de material impresso e virtual, sendo que facilmente e por
baixo custo é possível obter cópias de textos; diversos programas de rádio e
televisão; sites de todo tipo e
qualidade; blogs, redes sociais, canais online de vídeo, etc. Por isso, usar a sala de aula para quase somente expor
conhecimentos acumulados é uma atividade que está em descompasso com as
mudanças sociais desde pelo menos a época da invenção da prensa de tipos
móveis. O Professor Anacrônico está desatualizado em 500 anos!
Uma aula que é quase
somente a exposição de um assunto não é muito diferente da leitura de um livro.
Algumas pessoas podem achar mais fácil aprender por uma explicação oral. Isso,
porém, confunde a diferença de mídias com a diferença entre exposições de
conteúdo: a diferença da explicação feita por um professor para a explicação
lida em um livro é praticamente a mesma diferença entre as explicações lidas em
livros diferentes, ou entre as explicações dadas por professores diferentes. O
detalhe é que algumas pessoas acham mais cômodo ouvir do que ler – mas, para
isso, elas não precisam de um professor, precisam apenas de um áudio. Um
professor desse tipo, o Professor Anacrônico, é hoje tão dispensável, que a
Universidade Jiujiang, na China, já começou a testar uma robô
professora, capaz até de repetir alguma lição, se solicitada por
um aluno.
A exposição de um
assunto pode ser feita de forma organizada e sistemática através de vídeos, que
podem ser vistos fora da sala de aula – o que representa uma economia de tempo
em sala importante para o professor. Do ponto de vista didático, um vídeo bem
feito geralmente é muito superior a uma aula puramente expositiva, além de ter
a vantagem de poder ser assistido no momento mais conveniente, poder ser
interrompido, assistido de novo quantas vezes for necessário, e ainda acelerado
(acelerar vídeos em 1.5 ou até 2 vezes tem se tornado uma prática de estudo comum, porque força a concentração e poupa tempo da estudante).
Ademais, repetir constantemente a mesma aula é cansativo e desestimulante para
um professor.
Seria o Professor
Anacrônico essencial para tirar dúvidas, elaborar e corrigir provas? Em termos.
Como suas aulas expositivas vindas direto da Idade Média, a criação e execução
dessas atividades passaram por mudanças nos tempos atuais: uma forma de auxílio
bastante usada e estimulada em grandes universidades é a discussão entre pares,
isto é, alunos, professores e staffs
(professores auxiliares, estagiários, monitores, etc.) dialogam entre si para tirar dúvidas e discutir a matéria –
plataformas de cursos online de alta qualidade, como a Coursera
e a Edx,
usam fóruns muito organizados para fazer isso. Essa abordagem educativa é
contrária à antiga visão de que o conhecimento é transmitido, de forma
vertical, da brilhante cabeça do professor para a vazia cabeça dos alunos, e coerente
com uma visão contemporânea de que o conhecimento é produzido mediante
discussão entre pares, e não mediante descobertas de coisas pré-prontas e
imutáveis (como uma bola perdida, que alguém pode achar na sombra de arbustos e
dar para outra pessoa).
Na mesma linha, a
correção de certos tipos de prova pode hoje ser automatizadas, como já é no
caso da maioria das provas de concurso público no Brasil e também no caso da
maioria das atividades implementadas por plataformas de ensino à distância.
Obviamente, por enquanto, é necessário haver alguém para elaborar as questões.
Vale observar que a correção
usual de provas pelo professor é um processo cansativo, monótono e que toma
tempo, além de ser, em muitos casos, desnecessário – como eu disse.
Se é tão dispensável,
por que a espécie do Professor Anacrônico ainda existe em número tão elevado no
Brasil? Por que não foi substituída por seres mais inteligentes ou máquinas,
tanto no setor público quanto no setor privado?
Como se dá a educação
através daquelas plataformas de ensino cursos online de alta qualidade? Como
fazer esses cursos? Vale a pena?
O que significa essa
discussão de conhecimento como algo pré-pronto e como algo construído pela
discussão entre pares?
Como NÃO ser um
Professor Anacrônico? Como deve ser a educação do futuro, ou pelo menos a
educação adequada ao presente?
São perguntas para
outros posts.
ATUALIZAÇÃO: A seguir um ótimo vídeo (legendas em português) do canal Veritasium que argumenta na mesma linha do meu texto, sugestão do leitor Nagib:
ATUALIZAÇÃO: A seguir um ótimo vídeo (legendas em português) do canal Veritasium que argumenta na mesma linha do meu texto, sugestão do leitor Nagib:
https://www.youtube.com/watch?v=GEmuEWjHr5c
ResponderExcluirMuito bom, Nagib! Eu já tinha visto esse vídeo do Veritasium. Foi ótimo revê-lo. Segue a mesma linha do meu texto - provavelmente eu até fui influenciado por ele ao escrevê-lo.
ResponderExcluirVou até atualizar o post para colocar esse vídeo. Obrigado.
Acho que o que está jurássico e anacrônico são os salários dos docentes. O resto é conversa mole para o professor trabalhar de graça e fazer graça. Vamos discutir salários e dignidade.
ResponderExcluirOs baixos salários dos professores de ensino básico realmente são preocupantes e estão desestimulando o ingresso à docência, o que, em alguns anos, deve repercutir como falta de professores. Há alguns estudos sobre isso. Mas esse não é o foco deste blog, que é voltado para o ensino superior.
ExcluirNo caso do ensino superior em direito, há um grande estímulo para não ser professor, já que, para resumir, é possível sair da faculdade, após 5 anos, e ganhar quase 10 mil reais num cargo público, enquanto, para ser professor, será preciso estudar cerca de 11 anos, para, com sorte, ganhar esse mesmo salário. Essa situação é preocupante e também afasta o interesse dos jovens na docência. No entanto, os problemas em torno do ensino de direito, no país, estão longe de se resumir aos salários dos professores, principalmente porque professores de direito, com frequência, trabalham, paralelamente, em outra profissão (advocacia privada ou serviço público). Esse detalhe faz grande diferença, pois professores de direito são, em muitos casos, professores por "hobby", por assim dizer, tendo outro trabalho como seu principal.